O universo dos corredores de rua está repleto de histórias. Já havia tempo que gostaria de compartilhar uma delas, vivenciada por mim e o colega Ricardo durante a XIV Maratona de Curitiba em 2010, minha primeira maratona.
Primeiramente, farei uma breve retrospectiva antes do relato da história final. Não imaginava que correria uma maratona com apenas um ano e meio após abandonar o sedentarismo, mas já havia participado de algumas provas de 5 e 10 km, além de duas meias maratonas neste período. Portanto, já era hora de aventurar-me um pouco mais!
A princípio, hesitei em aceitar o convite do colega Ricardo, militar, corredor e maratonista de longa data, para iniciarmos um programa de treinamento tendo vista a Maratona de Curitiba de 2010. Um convite que, segundo ele, apenas os “bravos” aceitariam. Ainda receoso, pois não me considerava enquadrado nessa categoria, aceitei o convite e fui testar os meus limites. Com a experiência dele e, de posse de uma planilha, fomos aumentando gradativamente a duração dos longões.
Lembro-me até hoje do dia que rompi a barreira dos 30 km. Estávamos apenas eu e o colega Hugo, outro companheiro do asfalto. Com o suporte logístico de minha esposa e filho Thiago, preparamos os nossos kits, com alimentos e hidratação, e partimos para a rodovia que liga Goiânia à pequena cidade de Nerópolis, sem dúvida, um trecho com uma variação altimétrica impressionante. Enfrentamos grandes desafios, pois nessa época do ano, o cerrado seco chega a apresentar uma umidade relativa do ar entre 10 a 12%, ainda mais agravada pelas intensas queimadas. Mesmo hidratando-se corretamente, ao final do treinamento, não conseguia sequer sentar.
Assim, pensei em desistir desta idéia de correr uma maratona. Entretanto, como todo corredor tem um “parafuso a menos”, na segunda-feira já estava pronto para correr novamente. Após meses de treinamento, cumprimos a planilha e percebi que poderia concluir uma prova dessa envergadura. Começamos a nos preparar para fechá-la em 4 horas. Um desafio e tanto.
Chegada a grande data, parti para Curitiba. Cheguei numa sexta-feira à noite, onde fui recepcionado pelo Ricardo, que já se encontrava por lá, e um casal de sobrinhos dele. Hospedamos-nos na casa de sua irmã, um bonito sítio em São José dos Pinhais. No dia seguinte, saímos para pegarmos os nossos kits de corrida. No trajeto, tivemos um pequeno incidente com o carro, que se chocou com uma moto durante um “engarrafamento”. Perdemos um pouco de tempo, mas, por sorte, houve apenas danos materiais. Depois de contornado o problema e retirados os kits, aproveitamos para conhecer uma parte do percurso em Curitiba. À noite, fomos brindados com uma com um excelente “jantar de massas” preparado pela irmã do Ricardo. Tudo ia bem e conforme o planejado.
Acordamos por volta das 5h, tomamos nosso café e partimos, em uma Kombi de propriedade do cunhado do Ricardo, que se dispôs a nos levar para a corrida. Quase 7 horas da manhã, estava tudo certo, quando, faltando 10 km para chegarmos ao local da largada, que estava programada para as 7h30min, o seu cunhado, um “expert” em veículos, exclamou: - Ih! Acho que a gasolina vai acabar! Logo em seguida repetiu: - Ih! Acabou! E logo encostou o carro que a esta altura apresentava uma pane seca. Isso nos deixou transtornados! Diante do desespero começamos a pensar em alternativas para nos tirar deste sufoco. Chegamos a avistar um posto de gasolina, todavia o mesmo ainda estava fechado e só abriria às 07h30min (horário da largada). Ficamos um tempo tentando avistar algum taxista. A essa hora da manhã, os poucos que passaram já estavam ocupados. Cogitamos ir correndo! Todavia, seria impossível alcançar a largada em menos de 30min, o que só aumentava nossa frustração.
Que situação! Depois de meses de preparação árdua, com investimento de tempo e dinheiro para nos inscrever na prova e deslocar de Goiânia para Curitiba, estávamos sob o risco de “morrer na praia”, isto é, nem sequer chegar ao local da largada. Neste momento, a irmã do Ricardo, no ímpeto, foi para a lateral da rua pedir uma “carona”.
Naquela manhã de domingo, havia poucos veículos circulando, mas, após algum tempo, um carro com três curitibanos reduziu a velocidade para ver o que estava acontecendo. Para nossa sorte, eles também eram corredores e participariam da corrida na modalidade de 10 km, cuja largada estava prevista para as 8 horas. Como estávamos utilizando os trajes de corrida, com numeração de peito inclusive, eles nos identificaram, viram o nosso desespero e se dispuseram a nos ajudar.
Lembro-me ainda que havia, no interior do carro, uma cadeira de bebê. Apertamos-nos no veículo e partimos. Eles nos deixaram a cerca de 500 metros da largada. Despedimos-nos rapidamente e saímos no “tiro”. Fizemos esta distância correndo. Chegamos ao local de forma concomitante com a largada. Largamos ainda meio assustados. Seguimos com a adrenalina elevada até a metade do percurso, e fazendo um tempo menor do que o previsto para cada quilômetro rodado. Fechamos a prova com 3h 35min. Ufa!!!
Posteriormente, agradecidos pela ajuda dos “corredores desconhecidos” e diante de tantos outros exemplos de boa vontade que já presenciamos no mundo da corrida, cunhamos a seguinte frase, que nos inspira e vem inspirando o nosso grupo de corrida “Giramundo” até hoje:
“A corrida proporciona valores que vão além do simples condicionamento físico!”
Aos corredores desconhecidos, a nossa gratidão!